O Tratamento com Hidroxiuréia em Pacientes com Anemia Falciforme.

Heloisa Helena Arantes Gallo *

  • Médica Hematologista do Hospital de Servidores do ERJ
  • Médica  Hematologista da Clínica Enio Serra do Rio de Janeiro

Sumário

Um grupo de pacientes com doença falciforme (DF) se apresenta com mau prognóstico.

No estudo dos fatores de mau prognóstico dos pacientes brasileiros (5) concluiu-se que os fatores de mau prognóstico são:

a)Um nível médio de hemoglobina < 7.0 g/dl, estando o paciente fora de crise hemolítica.b) Um ou mais episódios de AVC.c) Episódios de dactilites antes de 2 anos de idade.d)crises álgidas de repetição(≥ 3 crises por ano) e) Percentual de reticulócitos constantemente acima de 10% f) Seqüestro esplênico) leucometrias constantemente elevadas.

16 pacientes assim enquadrados foram submetidos ao tratamento com hidroxiuréia e obtiveram resultados positivos. Espera-se com isso que a hidroxiuréia previna lesão orgânica, restaure órgãos já lesados e aumente a sobrevida na AF.

Abstract

A subset of patients with sickle cell disease (SCD) presents worse anemia, increased reticulocytes,strokes,thoracic acute syndrome, frequent painful crisis, higher LDH (patients with bad prognosis type of SCD). 16 patients characterized as bad prognosis group were submitted to hydroxyurea (HU) treatment and they presented fewer admissions to Hospital, less transfusions, diminution of LDH, birrubin and reticulocyte percentual, fewer anemias, increased levels of fetal hemoglobin and no toxicities. Together these data indicate that the treatment with HU is advantageous in the SCD bad prognosis patients.

 

Introdução

A hidroxiuréia (HU) aumenta o nível de HbF desviando a curva de oxihemoglobina para a direita, desta forma retendo mais oxigênio dentro da hemácia e evitando a formação de polímeros S. Os polímeros de hemoglobina S são os responsáveis pela  alteração na forma da hemácia e pelos microtrombos que acarretam toda a sintomatologia álgida e comprometimento dos órgãos pelos freqüentes microinfartos. Com sua redução diminui-se a gravidade da anemia falciforme (AF) Além disso, a hidroxiuréia reduz o número de neutrófilos, monócitos e reticulócitos que são importantes na formação do processo inflamatório da anemia falciforme, além da interação destas células com o endotélio vascular prejudicando o mesmo por aumento da adesividade com as hemácias e da trombofilia.

O uso da hidroxiuréia foi a primeira intervenção terapêutica eficaz comprovada para melhorar ou prevenir complicações da AF.

O objetivo deste trabalho é analisar a resposta terapêutica de pacientes com AF quando submetidos a tratamento com HU por período acima de 6 meses.

Material e Métodos:

Foram estudados 16 pacientes durante o período correspondido entre 1990 e 2008; Os pacientes foram divididos em 2 grupos: adultos: mais de 15 anos de idade e crianças: com idade igual ou menor que 15 anos. O estudo compreendeu 7 pacientes adultos e 9 crianças.

A idade dos pacientes adultos quando da entrada no tratamento variou entre 22 e 38 anos e a das crianças de 4 a 15 anos.

Os pacientes arrolados no estudo foram àqueles considerados de mau prognóstico (Gallo da Rocha, 2002).

Foram prescritas doses de HU de 10 a 15 mg/kg toda manhã e aumentadas lentamente (de 15 em 15 dias) até uma dose total de 35 mg/Kg.

Os pacientes foram monitorizados com hemogramas e consultas médicas, de 15/ 15 dias na fase inicial e posteriormente de 30/30 dias, observando-se se havia sinais de supressão medular. Quando a dose ideal para o paciente era atingida, mantinha-se a mesma. Nesta fase as visitas ambulatoriais foram espaçadas para mensais.

 

Adultos-idades ao início do tratamento com HU:

37

30

36

28

37

38

22

 

Criancas-idades ao início do tratamento com HU:

11

12

3

5

6

13

11

4

15

Além da idade e do sexo, foram determinadas as seguintes médias de resultados antes e após o tratamento com HU:

1) Média de hemoglobinas (hb).

2) Média de Hematócritos (Ht) .

3)Média de VGMs (Volumes Globulares Médios) .

4)Média das leucometrias.

5) Média de contagem de plaquetas (CP).

6) Média de percentual de reticulócitos.

7) Média de pesos em Kg .

8) Média de alturas   em cm  em crianças).

9) Média de episódios de crises álgidas por ano .

10) Média de unidades de concentrado de hemácias transfundidas por ano.

 11)Média do número de internações por ano.

 12) Média de proteinúrias de 24 horas.

13) presença ou ausência de baço palpável.

14) presença ou não de úlceras de pernas.

15) presença ou não de hepatite transfusional.

16)Média de dosagens de LDH (desidrogenase láctica).

17) Média de dosagens de transaminases oxalacéticas (TGO) .

18)Média do percentual de hemoglobina fetal (HbF) .

19)Média de dosagens de bilirrubinas indiretas (BI).

20) Média da hepatomegalias (medida em cm abaixo do rebordo costal direito).

21)presença ou não de necrose de cabeça de fêmur.

22) obs:infecções;abortos/partos;cirurgias.

 Após os resultados antes e após a o uso da hidroxiuréia os dados finais foram analisados com teste T Student ;2 caudas, amostra em par para médias, considerando- se significativos os resultados  de p inferiores a <0,05

 

Resultados:

A idade inicial do estudo variou entre 3 e 38 anos de idade, com a idade final do estudo entre 7 e 45 anos de idade.

O início do tratamento com a Hydrea variou entre 1999 e 2006.

A hemoglobina média dos pacientes antes do início da HU variou entre 4,0 mg/dl a 9,3 mg/dl, com uma média de 7,20625 mg/dl.

A Hb média dos pacientes após o tratamento com a HU variou de 5,2 a 11, 3 g/ dl, com uma média de 9,025 mg/dl.

 

 

Separando-se os pacientes conforme a faixa etária:

Pacientes adultos-idade > 15 anos:

Descreveremos a seguir os resultados dos pacientes adultos: 7 pacientes adultos.

 

 

idade inicial

 

 

início hidreia(HU)

hb média antes da HU

 

 

 

 

hb média depois da HU

Ht médio antes da HU

Ht médio

depois da HU

 

 

VGM antes

 

 

VGM depois

37

 

1999

4

 

5,2

12%

15%

 

95

 

116

30

 

1999

6

 

10

17%

28%

 

98

 

117

36

 

2002

7,6

 

8,5

22%

23%

 

69

 

103

28

 

2001

8

 

11,3

24%

33%

 

80

 

101

37

 

2000

5

 

6,5

14%

18%

 

112

 

114

38

 

2002

7

 

8

19%

24%

 

110

 

130

22

 

2005

7

 

9

20%

26%

 

6

 

117

 

 

 

leuc antes

leuc depois

CP antes

CP depois

retic antes

peso antes

peso depois

7

5,5

715

461

19%

50

53,5

17,2

6,5

368

300

20%

53,3

 

11,9

5,7

390

301

12%

58

56

15

12

422

404

13%

70

74

20

8,5

503

470

12%

53

53

8,5

5,5

260

250

10%

56,6

62

11

7

410

400

14%

49

51

 

crises/ano antes

crises/anos depois

transf/ano antes

transfdepois

internaç antes

internações depois

ptnuria antes

ptnuria depois

1

0

3

1

 

 

1286

946

3

0

11

0

 

 

90

90

2

0

4

0

4

0

90

90

6

3

0

0

6

1

90

90

3

1

2

0

2

0

90

446

3

0

3

0

3

0

90

90

0

0

0

0

0

0

490

147

 

úlceras de perna antes

ulc de perna depois

hepatite

LDH antes

LDH depois

TGO antes

TGO depois

BI antes

BI depois

0

0

0

734

285

20

18

5,4

3

2

2

hepatite C

735

168

37

37

5,1

1,2

3

3

hepatite C

716

544

42

42

1,6

0,9

0

0

hepatite C

826

432

58

43

2,7

1,6

2

2

0

165

165

 

 

3,5

1,2

1

1

hepatiteC

912

790

94

60

2,1

1

0

0

0

804

224

40

40

8,1

2,6

 

HbF antes

HbF depois

hepatomegalia

hepatomegalia após

necrose c femur

7

5,5

16

1

 

3,2

25

8

2

0

1

15

6

1

0

5

16

4

1

2

 

 

4

1

0

6

33

4

0

1

3

27,6

2

0

0

ESTUDO ESTATÍSTICO DOS PACIENTES ADULTOS

1) Média de Hbs antes da HU e depois: 6,37 mg/dl e 8,35; p<0,01.

2)Média de Hematócrito (Ht) antes e depois do tratamento com HU: 18% e 23,8% p<0,01

3) Média de VGM antes da HU e VGM depois da HU: 94 e 114 fl; p<0,01.

4) Média de leucometria antes e depois da HU: 12,94/mm3 e 7,24/mm3; p< 0,01.

5) Média de contagem de Plaquetas antes e depois da HU: 438.285/mm3 e 369.428/mm3 p< 0,01.

6) Percentual médio de Reticulócitos antes e depois da HU: 14% e 6%; p < 0,01.

7) Número médio de crises/ ano antes e depois da HU: 2,6 e 0,6; p < 0,01.

8) número médio de transfusões/ano antes e depois da HU: 3,28 e 0,14; p NS.

9)Número médio de internações/ano antes e depois: 3 e 0,2; p <0,01.

10) média de TGO antes e após a HU: 48,5 U/L e 40 U/L; p NS.

11) Média da Dosagem de Bilirrubina Indireta antes e após HU: 4,07 mg/dl e 1,6 mg/dl; p < 0,01.

12) Média de percentual de Hb Fetal antes e depois da HU: 4,2% e 20,35%;p < 0,01.

13) Média de hepatomegalia (palpação do fígado abaixo do rebordo costal direito-em cm) antes e após a HU: 6,3 cm e 0,8 cm; p < 0,01.

 

CRIANÇAS:

9 pacientes crianças Idades: igual ou menor que 15 anos.

Idade inicial

Início HU

hb media antes da HU

hb média depois da HU

Ht médio antes da HU

Ht médio depois da HU

VGM antes

VGM depois

11

2002

6,4

8

19%

22%

91

113

12

2001

9

10

27%

29%

80

95

3

2004

6

10

19%

32%

82

103

5

2003

7,7

9,5

22%

27%

90

108

6

2006

9,3

10,5

26%

28%

84

110

13

2002

8

10,5

23%

32%

94

120

11

2006

9,3

9,4

30%

30%

83

87

4

2004

7

8

22%

23%

87

101

15

2005

8

10

26%

32%

65

88

 

leuc antes

leuc depois

CP antes

CP depois

retic antes

retic depois

peso antes

peso depois

16

7,5

400

250

17%

5%

31

46,5

11,1

5,5

280

300

4,50%

4,50%

 

 

12

5,7

800

400

13,50%

4%

11,8

20,2

15

11

600

400

16%

8%

19,5

31

14

8

600

350

10%

8%

22,4

26,9

10,8

5,5

490

550

25%

5%

45,3

58,8

10,4

10,4

590

305

9,40%

6,40%

47,5

53,2

13

8,2

850

574

10%

5%

17,5

23

15

8

700

300

8,50%

3%

78

85

 

altura antes

altura depois

crises/ano antes

crises/anos depois

transf/ano antes

transf/ano

depois

internações antes

internações depois

145

154

3

1

3

0

3

0

 

 

10

3

0

0

5

2

91

107

10

0,5

8

0

10

0

112

137

6

1

5

0

5

4

123

131

6

2

0,5

0

0

0

165

178

5

1

1

0

3

0

167

173

5

1

0

0

4

0

106

127

5

2

8

0

8

1

183

185

10

2

6

0

10

2

 

ptnuria antes

ptnuria depois

LDH antes

LDH depois

TGO antes

TGO depois

BI antes

BI depois

normal

normal

1349

968

73

44

2,1

1,6

normal

normal

729

459

 

 

2

1,4

normal

normal

 

 

49

54

2,47

0,9

normal

normal

328

327

40

40

3,2

1,7

normal

 

287

231

 

 

2,6

0,4

normal

normal

426

217

72

21

5,1

0,9

normal

normal

1051

505

50

40

3,4

1,7

normal

normal

 

 

46

25

2,9

2,7

220 mg

108 mg

 

 

45

45

1,8

1,6

 

HbF antes

HbF depois

Hepatomegalia antes

hepatomegalia após

9

26

4

1

1

4,6

2

1

9

28

6

1

11

20

2

1

6

28

3

1

3,6

10

3

1

3,3

3,3

2

1

3,9

36

4

0

 

 

4

0

Resultados (Crianças):

1.         Médias de resultados de Hb antes e depois da HU: 7,8 g/dl e 9,5 g/dl p < 0,01.

2.         Média do percentual dos HT antes e depois da HU: 23 % e 28%. P < 0,01.

3.         Média dos VGM antes e depois da HU: 84 fl e 103 fl. p= NS.

4.         Média das leucometrias antes e após a HU: 13,0 /mm3 e 7,7 mm3 p < 0,01.

5.         Média das contagens de plaquetas antes e depois da HU: 590.000/mm3 e 381.000/mm3 p < 0,01.

6.         Média dos percentuais de reticulócitos antes e após a HU: 12% e 5%; p < 0,01.

7.         Média dos pesos antes e após a HU: 34 kg e 43 kg; p < 0,01.

8.         Média das alturas (cm) antes e após a HU 126 cm e 147 cm; p < 0,01.

9.         Média de episódios de crise/ano antes do HU: 6,5 e após: 1,5; p < 0,01.

10.     Média de unidades de transfusões/ ano antes e depois da HU: 3,5; 0 p < 0,01.

11.     Média de dosagens de LDH antes e depois da HU 695 U/L e 451 U/L p < 0,01.

12.     Média das dosagens das Transaminases antes e após a HU: 53 U/L e 38 U/l p NS.

13.     Média das dosagens de Bilirrubinas Indiretas antes e após a HU: 2,8 U/L e 1,4 U/L; p <0,01.

14.     Média dos exames de Hb F antes e após a HU: 5,85% e 19,48% p < 0,01.

15.     Média das hepatomegalias (medida em cm abaixo da parte mediana do rebordo costal direito) antes e após a HU: 3,3 cm e 0,7 cm p < 0,01.

 

Notamos que houve melhora significativa nos adultos nos seguintes parâmetros:

Aumento de dosagens de hemoglobina e hematócrito e HbF ; queda da leucometria e do percentual de reticulócitos; diminuição do numero  de crises álgidas com conseqüente diminuição do número de internações; queda dos valores de bilirrubina indireta e  da hepatomegalia por diminuição dos episódios de hemólise.

A queda nas contagens de plaquetas não foi significativa com  o tratamento da HU, porém havendo uma tendência quando se estuda o p em somente uma cauda.

 

Com relação às crianças notamos melhora significativa nos seguintes parâmetros:

Aumento de hemoglobina, HbF e Ht com queda das transfusões;diminuição das contagens de plaquetas, leucócitos e reticulócitos; aumento do peso e da altura, diminuição das crises, com conseqüente diminuição das internações, diminuição das transaminases, das hepatomegalias, dos níveis de bilirrubinas e LDH.

Não houve diminuição nas úlceras de perna. Somente notou-se diminuição de proteinúria de 24 horas em um caso e houve involução da auto esplenectomia em um caso, o baço voltando a ser palpável em uma menina aos 15 anos. 

Não se observou mielotoxicidade; nenhum paciente apresentou leucopenia ou nenhum outro sinal de toxicidade.

Houve três pacientes que recuperaram as funções renais e um paciente cuja proteinúria elevou-se apesar do uso da HU.

 

Discussão:

Cartron JP e Elion J(3) ,discutindo as crises vaso-oclusivas como sendo de fisiopatologia complexa, multifatoriais e dando importância às interações intercelulares mediadas pelas moléculas adesivas presentes nas hemácias e nas células endoteliais,culpando principalmente os reticulócitos pela maior adesividade entre as hemácias devido a presença neles de níveis elevados de integrinas alfa4 beta1 e CD36 descreveram que a terapia com hidroxiuréia (HU) leva a diminuição da adesividade celular com conseqüente diminuição dos processos vaso-oclusivos.

Bagdasaryan  et al (2)estudando a fração de reticulócitos imaturos como indicadores de resposta medular à hemólise ou hipoxia notaram que seu número está acentuadamente elevado na AF. Fizeram estudos comparativos de pacientes com AF em uso de HU e notaram que neste grupo de pacientes existe uma queda significativa nos índices de reticulócitos.

No nosso trabalho nós notamos uma diminuição acentuada no percentual de reticulócitos de uma média de 13%     antes do uso da HU para 5,7 % após o uso da HU.Em adultos, a média  da contagem de reticulócitos antes da HU eram de 14%  e passou para 6%.Houve uma queda significativa no percentual dos reticulócitos que corrobora com os dados obtidos dos autores estrangeiros chamando atenção para este dado pela sua importância dentro do quadro geral de melhora dos pacientes com DF (doença falciforme).

De Montalembert  (4) discute em seu trabalho que a HU é a única droga que demonstrou eficácia na prevenção de recidivas de crises dolorosas, crises torácicas agudas e na redução das necessidades transfusionais em pacientes com DF. Descreve ainda, que esta resposta foi variável na França e que as crianças geralmente experimentavam melhoras mais significativas do que adultos. Expõe as incertezas quanto a alterações na fertilidade com o uso da droga a longo prazo.  A HU foi liberada pelo FDA para uso em adultos e crianças na Europa. Sua prescrição no momento é restrita para pacientes severamente afetados.

Neste trabalho a orientação para o uso da HU em pacientes com AF foi para os pacientes com mau prognóstico conforme orientação de trabalho anterior (5).

Lanzkron  et al (7), em 2008, num estudo sobre o consenso do uso de HU em pacientes  adultos com AF, notaram que os níveis de hb foram mais alto no grupo que recebeu a HU, após 2 anos de tratamento O mesmo aconteceu com os níveis de HbF e o número médio de crises álgidas que foi 44% mais baixo do que do grupo controle.As internações também caíram de uma forma significativa.

Todos estes resultados foram coincidentes com os resultados detectados por nós neste trabalho (vide resultados)

Neste trabalho de Lanzkron etal (7) foram notadas evidencias indicando que o tratamento com a hidroxiuréia em adultos com AF não está associado com o desenvolvimento de leucemia. Com relação às úlceras de pernas não se notou alteração com o uso do medicamento, sendo essa conclusão coincidente com a nossa.

Segal JB et al (9), em 2008 fizeram um trabalho sobre a eficácia do uso da hidroxiuréia no tratamento de crianças com AF e na revisão das barreiras para seu uso. Foi estudado um pequeno grupo de pacientes em duplo cego e os autores notaram que a taxa de hospitalização anual foi menor no grupo que recebeu a HU, consistente com os dados acima descritos. O aumento absoluto de Hb foi bem elevado, significativamente ( 10.7 %) As observações de 20 tratamentos de HU em crianças descreveram resultados similares.

O grupo do “ Center for the Evaluation of Risks to Human Reproduction”  concluiu que a HU não causa retardo do crescimento em crianças de 5-15 anos de idade.

Neste nosso trabalho, pelo contrário, os pacientes começaram a crescer logo no início do tratamento, de forma diferente da história natural da AF.

Segal et a (9) declararam ainda que não observaram efeitos sobre gerações subseqüentes após a exposição das células germinativas à HU in utero. Algumas evidências deram suporte à diminuição da espermatogênese com o uso da HU. Não foi notada causalidade do aparecimento de leucemia e exposição ao tratamento com a HU.

Heeney e Ware (6) em 2008 publicaram um trabalho também sobre o uso da HU em crianças. Nele, os autores, de maneira mais corajosa, relatam os efeitos benéficos da HU com relação também à reversão de lesão orgânica além dos efeitos previamente descritos.

Scott et al (8), em1996 utilizaram a HU em crianças com DF (doença falciforme) na forma severa (definida como apresentando > ou = 3 crises vaso-oclusivas por ano). Iniciaram HU na dose de 10 a 20 mg/kg por dia em 13 pacientes com DF (hemoglobina SS, hemoglobina SS-alfa talassemia, ou hemoglobina S-beta0-talassemia). Verificaram os resultados do tratamento após 6 a 39 meses. O tratamento com a HU levou a aumento dos níveis de Hb,VGM , percentual de HbF e queda na concentração de bilirrubina. Os efeitos tóxicos foram 3 episódios de uma reação mielotóxica reversível, dois dos quais necessitaram transfusão de concentrados de hemácias. A necessidade de hospitalização diminuiu para todo o grupo. Para os pacientes que completaram 1 ano de tratamento (10 pacientes) a diminuição foi mais intensa e mais significativa. Em todos os pontos deste trabalho há concordância com os dados obtidos por nós.

A albuminúria com creatinina sérica normal ocorre frequentemente em pacientes com AF, mas nem todos evoluem para insuficiência renal. Alvarez et al (1) investigou a freqüência da progressão de crianças e adultos jovens com DF com albuminúria com o tempo. Eles encontraram que de 38 pacientes com DF que apresentavam albuminúria (30 com micro-albuminúria e 8 com proteinúria), 10.5% tiveram doença progressiva durante um período de acompanhamento de 20 +/- 12 meses. A doença progressiva foi observada em 2 de 30 pacientes com micro-albuminemia porque a micro-albuminemia piorou a proteinúria intermitente (em 1 paciente), ou levou a proteinúria persistente após 7 meses de acompanhamento (1 paciente). Dois de 8 pacientes com proteinúria progrediram para síndrome nefrótica após 8 e 17 meses com elevação nos níveis de creatinina sérica. Todos os 8 pacientes foram tratados com bloqueadores da angiotensina e/ou HU. Destes, 6 pacientes responderam ao tratamento com diminuição da albuminúria. Termina concluindo que estas medicações devem ser consideradas para os pacientes que desenvolvem proteinúria.

Como relatado nos resultados, tivemos três pacientes que recuperaram as funções renais e um paciente cuja função renal cuja proteinúria elevou-se apesar do uso da HU.

Fester et al (26) descreveu a experiência do uso de hidroxiuréia em crianças e adultos jovens a longo prazo (5 anos). Registrou que durante o período do tratamento de 22 pacientes houve queda significativa no número de internações hospitalares e das crises álgidas. Não foram observados efeitos adversos importantes e por fim concluíram o trabalho descrevendo que não observaram nenhum efeito adverso importante. O tratamento a longo prazo com hidroxiuréia para pacientes com AF é eficaz e sem grandes toxicidades. “Em pacientes com história de AVC, a HU parece uma alternativa válida em lugar da hipertransfusão”. (26)

Conclusões:

Neste estudo por nós realizado concluímos que com o uso de hidroxiuréia obtivemos:

·         Aumento de hemoglobina e Ht com queda das transfusões

·         Aumento nos níveis de hemoglobina fetal

·         Diminuição das contagens de plaquetas, leucócitos e reticulócitos;

·         Aumento do peso e da altura das crianças

·         Diminuição das crises álgidas com conseqüente diminuição das internações

·         Diminuição da hemólise com conseqüente diminuição da contagem de reticulócitos, da contagem de plaquetas, das hepatomegalias, dos níveis de bilirrubinas, das LDH e das transaminases.

 

·         Não houve diminuição nas úlceras de perna.

 

·         Houve três pacientes que recuperaram as funções renais e um paciente cuja proteinúria elevou-se apesar do uso da HU.

 

·         Houve involução da auto esplenectomia em um caso, o baço voltando a ser palpável em uma menina aos 15 anos. 

·         Não se observou mielotoxicidade; nenhum paciente apresentou leucopenia ou nenhum outro sinal de toxicidade.

 

Espera-se com isso que a hidroxiuréia previna lesão orgânica, restaure órgãos já lesados e aumente a sobrevida na AF.

 

Bibliografia:

1)      Alvarez O, Lopez-Mitnik G, Zilleruelo G : Short-term follow-up of patients with sickle cell disease and albuminuria; Pediatr Blood Cancer.;Jun;50(6):1236-9;2008.

2)      Bagdasaryan R, Glasser L, Quillen K, Chaves F, Xu D;. Effect of hydroxyurea on immature reticulocyte fraction in sickle cell anemia. Lab Hematol.; 13(3):93-7;2007.

3)      Cartron JP, Elion J.:Erythroid adhesion molecules in sickle cell disease: Effect of hydroxyurea. Transfus Clin Biol. May 30; 2008.

4)      de Montalembert M.: Hydroxyurea treatment in patients affected with sickle cell anemia: Efficacy and safety.Transfus Clin Biol. May 20; 2008.

5)      Gallo da Rocha,HHA: Variáveis de mau prognóstico  nos pacienets com Anemia Falciforme; RevistaLaes & Haes; Ano 38; N 138; 102-117;2002

6)      Heeney MM, Ware RE: Hydroxyurea for children with sickle cell disease. Pediatr Clin North Am. Apr;55(2):483-501; 2008 .

7)      Lanzkron S, Strouse JJ, Wilson R, Beach MC, Haywood C, Park H, Witkop C, Bass EB, Segal JB : An Evidence-based Review for the NIH Consensus Development Conference on Hydroxyurea for the Treatment of Adults with Sickle Cell Disease. Ann Intern Med. May 5; 2008.

8)      Scott JP, Hillery CA, Brown ER, Misiewicz V, Labotka RJ: Hydroxyurea therapy in children severely affected with sickle cell disease;J Pediatr.;Jun;128(6):820-8. 1996

9)      Segal JB, Strouse JJ, Beach MC, Haywood C, Witkop C, Park H, Wilson RF, Bass EB, Lanzkron S; Hydroxyurea for the treatment of sickle cell disease; Evid Rep Technol Assess (Full Rep). Mar;(165):1-95; 2008.